Com esta filosofia de vida, pouco a pouco e sem darem por isso, foram-se distanciando um do outro. Habituaram-se a uma desunião que não reconheciam como tal. Consideravam que nunca “incomodar” o outro era um sinal de verdadeiro amor. Pensavam que, pelo simples fato de viverem debaixo do mesmo teto, existiria sempre uma intensa união entre eles.
No entanto, de um dia para o outro e sem se saber por que, ela começou a ter manifestações de tristeza. Eram desânimos impregnados de uma sensação difusa de solidão. Não conseguia perceber a causa. “Não era a sua vida um mar de rosas?” — perguntava-se. “Não estava ela isenta de discussões? Então, por que esta sensação tão estranha?”. Não ficou surpreendida com que o seu marido — sempre tão ocupado com as suas coisas — ficasse imperturbado diante desta situação. Há muito tempo que ela se acostumara a que ele não se metesse nos seus domínios privados. Era esse um dos segredos da “felicidade” do casal.
Este relato ajuda-nos a pensar sobre a atitude individualista, tão presente na nossa sociedade. Esta atitude é muitas vezes apresentada como a grande panacéia para evitar todo o tipo de conflitos. “Vive e deixa viver”. “Não te rales com nada”. “Sê tolerante com tudo, desde que não te incomodem”.
O problema é que o individualismo — verdadeiro cancro do relacionamento humano — termina sempre por isolar as pessoas umas das outras. É verdade que não é ideal que um casal esteja constantemente a discutir. E menos ainda que o faça de um modo veemente e diante dos filhos. No entanto, também é verdade que a ausência completa de pequenos desentendimentos não manifesta saúde matrimonial. Muito pelo contrário. Manifesta, isso sim, uma certa atitude de indiferença. E a indiferença — “prima” do individualismo — acaba por gelar o amor humano.
É ingênuo pensar que marido e mulher nunca terão de pedir desculpas um ao outro. Isso é impossível. Cada um de nós, por muito que se esforce, acaba sempre por ofender de algum modo aqueles que são mais próximos. E não existem pessoas mais próximas uma da outra do que aquelas que estão casadas. Por isso, a capacidade de perdoar e de pedir perdão — unida, evidentemente, ao esforço real por não ofender o outro — é de capital importância para a união de um casal. Perdoar é uma demonstração de verdadeiro amor.
Como dizia Paul Johnson: «Os casamentos que duram constroem-se sobre estratos arqueológicos de discussões esquecidas. Os segredos de um casamento bem edificado são a paciência, a tolerância, o domínio de si, a disposição para perdoar e — quando tudo isto falta — uma boa “má memória”. Também ajuda, obviamente, que o marido esteja disposto a carregar com a culpa, como deve ser».
(Rodrigo Lynce de Faria)
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