quarta-feira, 11 de março de 2009

PERDÃO




Não foi em vão que, João Paulo II, de feliz memória, quis pedir perdão tanto a judeus quanto a protestantes, tanto aos muçulmanos quanto a Galileu... a uns e outros. Eu pensei: bem! Por fim, alguém não se inibe em pedir perdão! Alguém está tentando dar um novo recomeço ao nosso modo de ser, de pensar, de viver. Alguém está pregando o perdão com o exemplo, perdoando àquele que atentou contra sua vida. Alguém este preocupado com o perdão das dívidas externas dos países mais pobres. Será que o Papa quis inaugurar um novo milênio, presidido pelo perdão e a conseqüente reconciliação entre pessoas, povos e nações?

Uma coisa é ter a lucidez de pedir perdão por erros passados. Porém, nosso presente, não continua a cometer os mesmos erros?







Por isso, tantas vezes, me pergunto: Quem deveria de pedir perdão a nossos meninos de rua, que sobrevivem numa feroz miséria e violência, e que pululam por nossa inteira América Latina? Quem deveria de pedir perdão às crianças e adolescentes obrigados a trabalhar prematuramente ou a serem soldados em conflitos armados? Quem deveria de pedir perdão aos mortos e feridos, e suas famílias, em nossas guerras atuais? Quem deveria de pedir perdão pelo terrorismo? Quem deveria de pedir perdão aos milhões de seres humanos que continuam a morrer por causa do HIV? Quem deveria de pedir perdão aos outros milhões de seres humanos que, alienados pelas drogas, vegetam numa infeliz semi-inconsciência? Quem deveria de pedir perdão às crianças, vítimas de abortos provocados, que nunca chegaram a conhecer a luz do dia, ou às crianças comercializadas ou vítimas de abusos sexuais? Quem deveria de pedir perdão às vítimas de seqüestros, chantagens, assassinatos da violência urbana? Quem deveria de pedir perdão aos mortos e feridos em acidentes de trânsito? Quem deveria de pedir perdão às mulheres prostituídas, comercializadas, violentadas ou agredidas? Quem deveria de pedir perdão aos filhos dos casais destruídos? Quem deveria de pedir perdão pela redução à miséria, à fome e à morte de uma boa parte de nossa humanidade? Quem deveria de pedir perdão aos pais e mães de família pobres, desempregados, levados ao desespero e até ao suicídio? Quem deveria de pedir perdão aos desalojados, aos refugiados das guerras, da miséria e da fome? Quem deveria de pedir perdão aos sem-terra, sem-teto, aos favelados, aos sem-emprego, sem-salário digno? Quem deveria de pedir perdão aos velhinhos que não são cuidados por ninguém e que, tantas vezes, são explorados pelos próprios parentes? Quem deveria de pedir perdão aos emigrantes, aos retirantes? Quem deveria de pedir perdão pela destruição de nossas florestas? Quem deveria de pedir perdão pelas espécies vegetais e animais em extinção? Quem deveria de pedir perdão pela corrupção e degeneração, pela mentira e embotamento dos sentidos a que somos submetidos diariamente por uns e outros? Quem deveria de pedir perdão pelo envenenamento de nossa atmosfera, de nossas águas, de nosso planeta? Quem deveria de pedir perdão aos negros, aos homossexuais, aos índios...? Quem deveria de pedir perdão ao próprio Deus pelo que fizemos com ele, com seu Universo, com Jesus Cristo e com sua própria imagem que é nossa inteira humanidade?

Não foram poucas vezes as que, ao longo de minha vida, fui obrigado a refletir sobre o perdão. Sobre a reconciliação. Sempre concluí que fazer acontecer a alegria do perdão é a expressão prática maior do amor. Quem ama, certamente, perdoa. Na mesma medida em que a pessoa se aprofunda ou se abnega no perdão, se engrandece e cresce no amor. O perdão é aquilo que verifica a autenticidade do nosso amor e da vida. Creio firmemente, na importância da vivência do perdão, como crescimento humano e divino. Pedir, dar ou receber o perdão deveria de ser algo assim como a respiração: inspirar e espirar para nos oxigenarmos e nos mantermos vivos no meio de uma humanidade saudável. Porque na medida em que o perdão não acontece, a coletividade humana vai se envenenando a si própria e a tudo aquilo que a rodeia.

Olhando para Jesus, o homem crucificado, ouço-lhe dizer: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”. Jesus disse isso para aqueles que o estavam matando e, sacramentalmente, para toda a humanidade, em cuja história, nós estamos neste momento. Essa prece de perdão, com a conseqüente explicação de inconsciência, retumba pela terra e pelo universo inteiro, desde aquele momento e para sempre. Não em vão, o centurião romano que contemplou a cena, deduziu, simplesmente que, aquele homem era o filho de Deus. Em Jesus crucificado se restaura definitivamente a imagem de Deus que é, por definição, o ser humano. Em Jesus crucificado aparece a realidade histórica do homem e de Deus.

Não tenho dúvida de que, a história de violência e destruição do mundo que nós provocamos e da que nós somos vítimas, se transformará em solidariedade e paz, naquele dia em que nós supliquemos, tanto a Deus quanto a nós mesmos, parafraseando a Jesus: Pai perdoa-nos porque não sabemos o que fazemos! O caso é que, aqui, parece ser que todo o mundo sabe o que está fazendo, que todo o mundo tem mais razão do que os outros e, conseqüentemente, ninguém pede perdão a ninguém! As conseqüências estão por aí...




Pe. Agustin Juan Calatayud y Salom sj

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